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Projeto de redução da idade penal gera polêmica sem fim no Congresso Nacional.
30/08/2010
obscrianca

A controvérsia em torno da redução da maioridade penal cresceu tanto que o tema está próximo de adquirir ares de religião. Totalmente defendida por uns – como o deputado federal pedetista pelo Espírito Santo Humberto Mannato – e fortemente condenada por outros – como o doutor em estudos da violência, Naldson Ramos –, está até hoje com o projeto de lei sem votação no Congresso.

 

Os efeitos da indefinição já são bem conhecidos: por um lado a criminalidade arregimenta cada vez mais, e mais cedo, jovens entre os 10 e os 17 anos para cometer crimes que vão desde produção e comercialização de drogas até assassinatos (o caso do ex-goleiro Bruno, do Flamengo, em que um menor era das figuras-chave na trama macabra é emblemático). Também são expressivos os números de menores explorados sexualmente que terminam por, viciados, enveredar pelo caminho da violência e dele não mais sair. Até a morte ou a prisão definitiva.

 

Na outra ponta da corda, crianças e adolescentes com claras possibilidades de recuperação, porque cometeram infrações de menor potencial ofensivo à sociedade, como roubos de comida, roupas ou sapatos, terminam por receber punição idêntica à dos mais perigosos. Aqueles que além de meninos e meninas, também são latrocidas, assassinos frios e traficantes com pendor e gosto pela violência em defesa de seu território de atuação criminal.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi implantado há exatos 20 anos, muita coisa ainda não ficou clara. Das principais, a separação dos menores encaminhados às medidas socioeducativas de acordo com o grau de crime cometido. E é aí que tudo se confunde, lembra a diretora do Centro Socioeducativo polo Cuiabá, Vilma Cecília de Oliveira, responsável pelas unidades masculinas do conhecido Pomeri, hoje com 141 internos (menores que ficam privados da liberdade por até três anos) e 42 provisórios (meninos e rapazes que verão o nascer e o por do sol por sobre muros de sete metros por no máximo 45 dias).

 

“É um retrocesso querer diminuir a maioridade de 18 para 16 anos num momento em que o Estatuto completou meros 20 anos. Sabemos que ele [o ECA] é o caminho certo, junto com a implantação de políticas públicas, moradia e saúde, e que ele ainda nem foi implantado universalmente. Por isso mesmo ainda não dá para querer mudar a lei”, argumenta Oliveira. Caso consigam, o que haverá é uma superlotação imediata de presídios sem outro efeito além de nutrir de mão de obra jovem o mundo do crime, lembra o sociólogo Naldson Ramos.

 

Outra voz ativa e interessada na questão, o promotor de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude Anderson Pereira de Andrade lembra que existe um “mito da impunidade” – uma impressão da sociedade de que os menores infratores não são punidos. “Há um equívoco na ideia de que o Estatuto da Criança e do Adolescente não pune, mas, às vezes, o adolescente infrator é tratado de maneira mais grave do que um adulto”.

 

Com a visão do promotor de Brasília concorda a diretora pedagógica do Pomeri, Silvana Fátimo Anchieta. “Só quem não pensa no que está dizendo pode achar que uma criança ou jovem não sente a privação da liberdade e a disciplina que eles são obrigados a seguir aqui, além da distância da família”. Parece ser o caso dos muitos apresentadores de programas de televisão sensacionalistas, sempre ávidos em clamar, bradar e até chorar pela redução penal.

 

De acordo com dados do Ministério da Justiça, existem hoje 17 mil menores detidos no país, o que representa 0,05% da população com até 18 anos. Para Pereira de Andrade, a redução da maioridade penal não diminuirá de forma alguma essa estatística. “Não é o tamanho da pena que inibe a criminalidade, como mostra a Lei do Crime Hediondo, que endureceu a legislação e não resolveu o problema. O que inibe é a certeza da punição”. E também as políticas públicas já existentes devidamente implantadas e universalizadas, lembra Naldson Ramos.

 

“O Estado brasileiro precisa aprender a ter respostas complexas para problemas complexos. E a maioridade reduzida para 16 anos é uma resposta simples para uma questão profundamente complexa”, adverte o sociólogo. A experiência de outros países, como Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, sociedades onde até mesmo crianças são condenadas à morte ou prisão perpétua, dependendo da gravidade do assassinato que pratiquem – não há pena semelhante para outros crimes cometidos por menores nesses países – não apresentam diminuição significativa no envolvimento destes com a prática criminosa.

 

E o Brasil historicamente cuida muito mal de seus jovens. Exemplo claro é que a contrapartida às penas aplicadas no país, a parte integralmente protetora do ECA, jamais saiu do papel. As mortes ainda ocorrem aos borbotões e as estatísticas gritam. Pelo menos 45% dos assassinados do sexo masculino em solo brasileiro, todos os anos, têm entre 14 e 24 anos. “A redução da maioridade penal busca mascarar as reais condições em que vivem nossas crianças e jovens, especialmente os mais pobres. A ausência efetiva de políticas públicas, a escola de má qualidade, a conhecida má distribuição de renda e os abusos de toda sorte”, aponta o sociólogo Naldson Ramos.

 

A voz defensora da redução da maioridade penal, entretanto, sofreu um duro golpe recentemente, quando foi classificada como inconstitucional pelos participantes de uma audiência pública realizada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Segundo eles, a condenação de crianças e adolescentes infratores fere um direito individual garantido pela Constituição, além de desrespeitar tratados internacionais assinados por diversos países, incluso, óbvio, o próprio Brasil.


O objetivo do encontro era discutir o projeto que autoriza a realização de um plebiscito que definirá o limite de idade para punir o menor infrator. O autor da proposta é o deputado Carlos Humberto Mannato (PDT-ES). Ele defende a diminuição da idade punitiva mínima de 18 para 16 anos.


A representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Miriam Santos, também pediu, na mesma ocasião, maior rigor na aplicação da legislação. “Vemos que quando o Estatuto da Criança e do Adolescente é respeitado e as unidades de correção funcionam corretamente, acontece a reinserção social”.


Mas as discussões têm carregado em si um desconfortável tom antidemocrático, na medida em que os defensores da redução da maioridade estavam em franca desvantagem com relação a seus opositores. Eram quatro contra um. O único defensor da convocação do plebiscito, o deputado Mannato, foi irônico ao comentar a escolha dos debatedores – todos contra a redução da maioridade penal – convidados pelo deputado Paulo Cesar (PR-RJ). “Não podia ter nenhum favorável para aguçar o debate, não?”, perguntou.


Mannato se defendeu das críticas de inconstitucionalidade do projeto ao afirmar que o plebiscito representa um desejo da sociedade. Isso, afirma o parlamentar, legitima qualquer mudança na legislação. “A população está muito revoltada porque o tráfico usa os adolescentes sistematicamente com a certeza de que quem é menor vai ficar no máximo três anos preso”. Durante a audiência, o deputado não fez nenhuma manifestação em defesa de sua proposta. Preferiu apenas ouvir os participantes.

 

Silêncio a que se recusa o sociólogo Naldson Ramos. Para ele, diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos não vai fazer baixar a incidência de crimes e, muito pior, não passa de um incentivo a uma resposta tão fácil –e ineficaz – quanto criminalizar os mais pobres e responsabilizar os jovens por serem como são. “Crianças e adolescentes têm desejo natural por contestação da ordem estabelecida e por partilhar idéias e experiências com outros jovens, a única maneira de coibir o ingresso deles em coisas mais sérias como a criminalidade (ou a gravidez na adolescência) é acompanhamento constante e orientação clara sobre as conseqüências das atitudes deles. Não há outro caminho”, diz, taxativamente, Ramos.

 

A maneira como os menores costumam chegar às medidas socioeducativas (punição máxima permitida nos dias de hoje) parecem dar razão aos argumentos de quem é contra a redução. São meninos e meninas abandonados em algum ponto ou aspecto de suas vidas; se não pelos pais ou responsáveis, pelo Estado – ao não lhes dar perspectiva de melhores condições de vida –, ou pelas políticas públicas, que muitas vezes são a única maneira destes alcançarem o mínimo de dignidade humana, como duas refeições diárias, escola e lazer mínimo.

 

“Dá-se o estudo, ainda que inadequado, mas negligencia-se todo o resto. Logo, ficam na escola enquanto são bem pequenos, mas a abandonam assim que crescem um pouco e acham que são donos dos próprios narizes. Essa idéia é transportada para o grupo em que convivem e, quanto mais poder ganham nesse grupo, mais perigosos costumam ficar”, argumenta a psicóloga do Pomeri, Maria Aparecida Culturato.

 

Diferente dos anos 1980, quando a maioria dos internos era analfabeta, nos dias que correm, mais de 85% deles chegam ao Pomeri sabendo ler e escrever, ou seja, tiveram alguma educação formal, mas são egressos de estrutura familiar mínima. O que não quer dizer que essa estrutura se manteve na época em que cometeram os crimes ou mesmo pouco antes. “Na verdade, costuma coincidir famílias que praticam maus-tratos ou cujos pais são viciados em drogas, legais ou não, com os meninos mais violentos”, explica uma psicóloga, funcionária pública, que pediu para não ser identificada para evitar a polêmica com os colegas.

 

Essa mesma profissional argumenta que trabalho infantil e surras familiares ainda são vistas como tabu, porque a maioria dos psicólogos e educadores, apesar de defender em público o fim dessas práticas como matéria pedagógica (os famosos “se tivesse começado a trabalhar cedo, não virava criminoso” e “se apanhasse, não virava vagabundo”), não têm coragem de dizer aos pais e mães mais pobres: parem de espancar seus filhos e de colocá-los muito cedo em trabalhos pesados. Por que?

 

“Porque há o problema da renda média muito baixa e o receio de que se formem ainda mais cedo os futuros criminosos entre os mais humildes. Se vivêssemos em uma sociedade com escolas mais bem aparelhadas, que servissem três refeições diárias e dessem educação integral às crianças e jovens, o crime teria mais dificuldade para obter mão de obra”, considera a psicóloga.

 

Por fim, em meio a tantas opiniões divergentes, há, entretanto, uma conclusão possível – ao invés de se criminalizar integralmente as infrações cometidas por jovens e adolescentes, dois caminhos devem ser seguidos necessariamente. O primeiro se refere ao fortalecimento de políticas públicas de proteção da infância, para que essa faixa etária só tenha como preocupações máximas estudar e brincar; depois é obrigatório não permitir o contato entre menor infrator e criminosos de verdade, independente da idade destes últimos (os que violentam, roubam bens e divisas – e não comida – matam ou matam para roubar).

 

Como segundo ponto, é preciso acabar com a sensação de impunidade, pois é ela quem leva os mais velhos a recrutar os jovens e é por essa certeza equivocada de que nada vai acontecer é que os últimos aceitam trilhar o triste caminho da violência. Na companhia das drogas, e com a morte à espreita. “É o nosso maior desafio, pois o jovem tende a se considerar invulnerável, corajoso. Isso só é saudável se vivido sob limites bem definidos, para resguardar a integridade tanto dele quanto da sociedade em que vive”, ensina Ramos.

Rodivaldo Ribeiro

 

 
 
Fonte: Folha do Estado
 
 
 
 
 
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