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Adolescência perdida para tráfico e prostituição em Várzea Grande.
02/11/2009

SILVANA RIBAS
A GAZETA

A presença de adolescentes em bares e pontos de encontros noturnos em Várzea Grande, usando álcool e drogas, é apenas a ponta do iceberg que esconde uma rede de prostituição e tráfico que aterroriza famílias que estão perdendo suas filhas. O drama de mães que perambulam durante as madrugadas em busca das adolescentes já viciadas, aliciadas por traficantes e cafetões tem como último recurso um boletim de ocorrência na delegacia, onde o poder público é denunciado por não dar apoio e estrutura para que estas meninas deixem a situação de risco em que se encontram. Uma mãe desabafa: "Se eu amarrar minha filha em casa vou presa. Mas não encontro ajuda para evitar que ela deixe as ruas".

Em menos de 2 horas em um destes pontos de encontro, na avenida Fillinto Müller, em Várzea Grande, a reportagem observou dezenas de adolescentes usando álcool e sendo levadas por homens e rapazes em seus veículos. Enquanto isso, traficantes circulam vendendo drogas, sem se intimidarem com a ronda policial. Algumas das meninas vão vender o corpo em troca da droga, no final da noite, vestindo ainda o uniforme escolar.

A mãe de J., 14, diz que há 1 ano luta sozinha para tentar resgatar a filha, viciada e prostituída. Perdeu a conta de quantas horas já ficou sentada nas portas de juizados da infância, conselhos tutelares, delegacias, postos policiais, enfim, em qualquer "órgão competente" que pudesse ajudá-la na luta para reaver a filha que a cada dia se afasta mais e adoece. Se sente impotente diante da força dos traficantes e das pessoas inescrupulosas que usam a jovem. "Nunca, nenhum órgão veio atrás de mim, perguntar o que poderia fazer para me ajudar. A única coisa que fizeram foi mandar minha filha para uma casa de recuperação de onde ela voltou tão dopada que achei que nunca mais ia voltar ao normal", desabafa a mãe R.L., 38.

Ela diz que outra adolescente, amiga da filha, que tem a mesma idade, está grávida. A última notícia que teve foi de que ela fugiu de casa para fazer um aborto. Nesta luta solitária que se arrasta por mais de 1 ano, a mãe disse que tem feito papel de investigadora. Mesmo sem condições, sai a procura da filha e acaba se deparando com outras jovens, como J., seminua, usando drogas, em postos de combustíveis e pontos de encontro. Cita o pátio do posto Concórdia, na avenida da FEB (já denunciado por A Gazeta), os bares próximo a Caixa D"Água da avenida Fillinto Müller e um bar no bairro Costa Verde como os principais pontos de cooptação de jovens para a prostituição e uso de drogas.

Entre os cafetões as jovens apontam o "Patrãozinho", do camelódromo, o "Zezinho" do aeroporto e mototaxistas que distribuem drogas no município e que também usam as jovens viciadas.

Os empresários que atuam na noite várzea-grandense reconhecem que estão impotentes diante do tráfico que arregimenta as adolescentes. Eles dizem que não têm como impedir a venda de drogas, inclusive dentro dos bares. Se sentem intimidados e sabem que onde estão as adolescentes, estão os traficantes. Um deles, que teme se identificar, lamenta que nada seja feito pelas autoridades, que sabem quem está por trás da rede de prostituição, mas não combatem efetivamente este tipo de crime. "Eu tenho um comércio familiar e não posso me expor contra estas pessoas que são poderosas".

O subcomandante do Comando Regional 2, tenente-coronel José Robson Souza de Figueiredo, assegura que a Polícia Militar tem feito seu trabalho. São arrastões diários onde adolescentes armadas, com drogas ou em situação de risco são retiradas das ruas e encaminhadas aos conselhos tutelares. Mas segundo ele, a continuidade da ação com redes de proteção ou mesmo do trabalho social junto às famílias não é de responsabilidade da PM. Reconhece que o tráfico alimenta a criminalidade, como roubos, assassinatos e furtos, não apenas a prostituição.

No município não existem programas ou unidades de apoio para estas meninas em situação de risco. As famílias não conseguem "prendê-las" em casa, já que os aliciadores estão sempre atraindo-as. O Centro de Referencia Especializado da Assistência Social (Creas) é denunciado pela mãe de uma jovem de 14 anos, que "sumiu" de lá no dia 9 de outubro, depois de ser retirada das ruas. O órgão sequer avisou a família que só foi descobrir a fuga 5 dias depois.

A mãe da adolescente usuária de drogas e prostituída busca apoio da Justiça para tentar resgatá-la das mãos de cafetinas e traficantes, mas não consegue ajuda. Esta semana a revelação da jovem, que disse pelo telefone que arranjou trabalho no exterior, levou a mãe ao desespero. É a certeza de que agora a filha está nas mãos de uma rede internacional de aliciadores que tem em Várzea Grande um de seus tentáculos. Teme que se a filha se for, nunca mais irá revê-la.

Membros que atuam nos conselhos tutelares de Várzea Grande se dizem impotentes e desprestigiados. Não assumem denúncias pois dizem que serão alvos de perseguição política. Alegam que não existe apoio e nem interesse no município para conter o avanço da prostituição das meninas e adolescentes. Os conselheiros dizem que são cobrados pela comunidade mas não têm apoio do poder público para dar as respostas urgentes que o problema exige.

O empenho deles para retirar as jovens das ruas é visto como um problema para a administração que não quer se comprometer com a causa.

Creas - A coordenadora do Creas, Eva Nelson de Freitas, rebate as acusações e garante que o Creas tem atuado. Cita que de janeiro a setembro deste ano foram 509 atendimentos e na sexta-feira (30) haviam 8 meninas com idades entre 8 e 12 anos no local, sobre a tutela do órgão. Mas assegura que o Creas com as assistentes sociais, psicólogos, educadores, cuidadores fica com as meninas no máximo 48 horas e que cabe aos Conselhos Tutelares atuarem junto as famílias e fazer um diagnóstico mais profundo de cada caso.

O que o Creas faz, diz Eva, é buscar o encaminhamento das famílias para programas sociais e no caso das jovens dependentes químicas, o encaminhamento para Centros de Apoio Psicossocial (Caps) ou Organizações Não Governamentais (Ongs) que atuam no tratamento e desintoxicação.

Mas a coordenadora reconhece que a estrutura hoje não atende a grande demanda de jovens, adolescentes usuárias de drogas e que estão expostas à prostituição nas ruas.

Hoje não existe nenhum programa específico ou casa de apoio para estas jovens, mas apenas um projeto para o próximo ano, que vai depender do executivo municipal para implantação. Ressalta que o problema envolvendo as meninas, a droga e a prostituição não é restrito a Várzea Grande, mas está presente em todo País.

Enquanto o debate sobre a quem cabe cuidar, resgatar, salvar das mãos de traficantes e cafetões as jovens da cidade não chega a um consenso, a sociedade vai continuar a se deparar com as cenas vistas pela reportagem, na noite de quinta-feira (29). Meninas franzinas, brancas, ruivas, morenas, gordas, maquiadas, embriagadas, drogadas, sozinhas e acompanhadas. Em troca de uma porção de drogas ou dinheiro sobem em motos, entram em carros e somem na noite. Ou ficam ali, na avenida, a poucos metros da igreja matriz do município, com um olhar perdido, como quem espera do céu pela ajuda que não conseguem aqui na terra.

 
 
Fonte: Midia News
 
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